Variedade ou varietal? O que são?

A botânica divide as plantas em diferentes categorias: a chamada taxonomia. As taxonomias a que estamos mais habituados são o género, a espécie e a variedade. A uva, por exemplo, é um fruto da videira que pertence ao género Vitis. Ainda que existam diferentes espécies, como a uva Vitis labrusca, a mais comum é a Vitis vinifera (daí o nome vitivinicultura). Dentro da espécie Vitis vinifera, existem milhares de variedades, umas de mesa, como a portuguesa Dona Maria ou a americana Red Globe, e outras para vinho, como a Merlot, Syrah ou Moscatel. Na indústria do vinho, adoptou-se o termo casta para diferenciar das variedades de uvas de mesa. No entanto, uma casta é sempre uma variedade ou, para sermos ainda mais precisos, um cultivar: termo usado para definir variedades cultivadas artificialmente pelo ser humano, uma vez que estas plantas são habitualmente plantadas e não semeadas e consequentemente não existe evolução ou diversidade genética.

Passando para o café, temos a árvore cafeeiro, pertencente ao género Coffea, onde encontramos várias espécies, sendo que as duas principais são Coffea arabica e Coffea canephora (robusta). Arabica, a espécie mais comum e mais cultivada, divide-se em várias variedades que habitualmente vemos nos rótulos das embalagens de café de especialidade: Typica (literalmente a mais típica), Bourbon (mutação da Typica da ilha de Reunião, na altura chamada Bourbon), SL28/SL34 (desenvolvidas em laboratório no Quénia), Pacamara, Gesha, Caturra, etc. A maior parte destas variedades são, como no vinho, cultivares. No entanto, existe muita gente que prefere chamar “varietal” à variedade de café.

A grande árvore genealógica do café pela Coffee Imports Australia

Façamos um pequeno paralelismo entre a indústria aeroespacial e a indústria do café de especialidade.

Pode parecer uma ideia parva, mas acho que fará sentido. A navegação marítima tem séculos de história, durante os quais se desenvolveram terminologias e convenções, muitas que os portugueses ajudaram a criar. Por outro lado, há pouco mais de 50 anos atrás, formou-se uma nova indústria, a aeroespacial. Esta indústria seguiu as passadas da aeronáutica e, em vez de reinventar a roda, adoptou os termos que já existiam. Ou seja, tanto uma caravela do século XVI como uma estação espacial do século XXI têm um lado bombordo e um lado estibordo.

Comparativamente, a indústria do café de especialidade é uma criança ao lado da vinícola, ainda a aprender a comunicar as suas ideias, adquirindo novo vocabulário. Porque não então aproveitar alguns dos bons exemplos que o vinho nos pode transmitir? Vejamos o exemplo do termo “varietal”: segundo o dicionário Priberam, “varietal” é um adjectivo que classifica um vinho como sendo composto por uma só variedade ou casta, ou seja, um vinho monocasta. Será então boa ideia agarrar num adjectivo e usá-lo como substantivo, quando já existe um outro tão correcto que é “variedade”? Não será então “variedade” um termo mais correcto que “varietal”?

E as variedades heirloom?

Existe uma outra situação em que podemos pedir uns termos emprestados à vitivinicultura e à agronomia. Uma vez que a Etiópia é o país origem do café, os cafeeiros crescem espontaneamente por todo o lado e nas plantações mais antigas não existe registo das variedades que inicialmente lá foram colocadas. Em inglês usa-se o termo heirloom para definir estas variedades indefinidas. E como é que traduzimos isto para Português?

Os agrónomos têm um termo para classificar variedades que se desenvolveram ao longo de gerações e que, por isso, têm uma enorme diversidade genética, estando poucas vezes catalogadas: “variedades tradicionais”. No Brasil usa-se um outro termo para o mesmo efeito que é normalmente associado a línguas: “variedades crioulas”. Já a vitivinicultura adoptou o termo castas autóctones, que é uma forma bonita de dizer castas nativas. O problema é que uma casta autóctone é uma casta definida, catalogada e muitas vezes massificada, como a Touriga Nacional. Qual será então o termo ideal? Variedades nativas, autóctones, crioulas ou tradicionais? Não sei de facto a resposta, mas provavelmente escolheria “variedades tradicionais”, uma vez que “heirloom” significa isso mesmo: herança tradicional que passa de geração em geração.

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